
As aventuras de Dom Quixote e seu fiel Sancho Pança são um alento para atravessar o tédio destes dias mais longos em casa. E, ao contrário do que se espera de uma obra do século 17, é uma agradável leitura – sofisticada, é verdade –, saborosa de boa.
Os incontáveis diálogos entre os dois e outros personagens das histórias são engraçadíssimos. Em tempos sombrios, é preciso ler e rir ao mesmo tempo para não perder a esperança – como D. Quixote não perde; sonha.
Para você ter uma ideia do que estamos falando, no ano de 2002, 100 escritores de 54 países elegeram Dom Quixote o livro de ficção mais importante do mundo. Não é à toa que o escritor russo Dostoievski disse que “não existe nada mais profundo e poderoso do que este livro. Ele representa até hoje a mais grandiosa e perfeita expressão da mente humana”.
Que tal aproveitar o momento para ler esse clássico da literatura universal?
A “expressão da mente humana” por Miguel de Cervantes narra as aventuras de Quixote e Sancho pelas andanças no império absolutista espanhol. Fortemente inspirado por leituras de romances de cavalaria – famosos na época – o Engenhoso Fidalgo de La Mancha sai doidamente “pelo mundo para fazer justiça e, com isso, consertar o torto, desfazer os agravos, defender as viúvas, amparar as donzelas, socorrer os órfãos, castigar os soberbos e premiar os humildes.” E consegue, do jeito dele, mas consegue.
Há inúmeras sacadas incríveis, de humor inteligente. Separamos uma. Lá pelas tantas das andanças, Sancho, medroso como ele mesmo, tem uma disenteria braba no meio da noite. Dom Quixote percebe os desencontros intestinais do fiel escudeiro, estranha e pergunta. Repare:
“– Que rumor é esse, Sancho?
– Não sei, senhor – respondeu ele. – Alguma coisa nova deve de ser, pois as aventuras e desventuras nunca vêm sós.
Tornou outra vez a tentar a sorte, e esta lhe foi tão propícia, que, sem mais ruído nem alvoroço que o já passado, se achou livre da carga que tanto lhe pesava. Mas como D. Quixote tinha o sentido do olfato tão vivo como o dos ouvidos, e Sancho estava tão junto e agarrado a ele, que quase em linha reta acima subiam os vapores, não pode evitar que alguns chegassem a seus narizes; e tão logo chegaram, foi ele ao seu socorro, apertando-os entre os dois dedos, e com voz um tanto fanhosa disse:
– Parece-me, Sancho, que tens muito medo.
– Tenho, sim – respondeu Sancho – , mas em que o percebe vossa mercê agora mais do que nunca?
– Em que agora mais do que nunca cheiras, e não a âmbar – respondeu D. Quixote.” (D. Quixote, v.1, p. 265, Ed.34)
São incontáveis as passagens cômicas como essa. Sancho Pança é afrontoso – sobretudo no volume 2 do livro – , tira D. Quixote do sério na história quase toda. Imagina verter um texto desse para a língua portuguesa?!
Traduzir o primeiro volume das quase mil e quinhentas páginas da obra-prima de Miguel de Cervantes para a Editora 34 rendeu a Sérgio Molina em 2004 o Jabuti, tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.
Ah, e para facilitar, separamos um vídeo que pode dar uma forcinha para você entender mais sobre o contexto histórico em que se passa os dias de Quixote e Pança.
Clique no link e confira a entrevista com a professora Maria Augusta da Costa Vieira, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, especialista no livro Dom Quixote, ao canal UNIVESP TV, do governo do Estado de São Paulo.
Após terminar a leitura, você vai perceber que poderá chamar o Quixote de quase tudo – menos de quarentener: o cara não aguentava ficar em casa. D. Quixote furou a quarentena.
Boa leitura!
José Mota, São Paulo.