
Ressignificar
Difícil manter a fé em meio a tanto caos. Mais difícil ainda manter a sanidade em meio a tantas injustiças e discursos genocidas em voga. É preciso atenção e ao mesmo tempo descontração, pra não enlouquecer, perder a cabeça, prejudicar a saúde. Voltar-se para si e entender seus limites, físicos e psicológicos. Desconectar-se do mundo de vez em quando pra poder extrair força de algum lugar dentro de si, de alguma certeza que possa ajudar a superar os dias tenebrosos. Mas é difícil manter esse discurso sem cair em falas utópicas e idealistas demais, próximas dos discursos virulentos de doutrinadores irresponsáveis. É preciso respeitar a dor e a preocupação do outro também, entender que nem todo mundo consegue permanecer na mesma linha de pensamento e conduta que você.
Porém, é preciso ter fé. Em si próprio, na ciência, no outro. Esse outro especificamente são, de bom senso, que também está em ruínas, mas que mantém as forças pra fazer algo de bom. Esse outro que escolhe ajudar, acolher e ouvir os que estão ao seu redor. É preciso ter fé em si mesmo, em acreditar que os esforços, se bem conduzidos, podem fazer alguma diferença, nem que seja em seu pequeno círculo de convívio. É preciso ter fé na ciência e nas artes que diariamente salvam vidas. Preservar essa fé não está sendo fácil.
Não considerava designar como fé a crença no que eu acredito, sem atribuí-la a alguma ordem divina, mas o exercício diário de permanecer lúcida em algum propósito que não me faça esquecer do que é bom, e de quem é bom, exige que algum tipo de fé seja elaborada, ressignificada, reconduzida. Livros de História contarão nossa trajetória e talvez precisem enfatizar que, no meio de tanta turbulência, foi quase impossível sobreviver sem essa fé.
Jeniffer Yara, Belém (PA)