E o Chimarrão nosso de qualquer hora???

Conta a lenda – e dados históricos confirmam – que o Chimarrão é um hábito legado da cultura dos índios Guaranis desde o século XVI.Hoje também conhecido como mate, o Chimarrão fazia parte de um ritual sagrado, de confraternização, praticado dentro das tribos: ou seja, um ato extremamente coletivo. Chegou a ser proibido pelos Padres Jesuítas que vieram catequizar essas tribos.Contudo, sobreviveu e hoje está presente nos países do Cone Sul e no Brasil, mais intensamente na Região Sul.

Dentro da medicina, da nutrição e de outras áreas, existem estudos apontando tanto benefícios quanto malefícios da ingestão do Chimarrão. O que me faz refletir neste momento, no entanto, não são os aspectos fisiológicos desse hábito ou vício (como queiram). Nasci em família onde o Chimarrão faz parte até hoje da rotina diária; ele é um produto indispensável como outros alimentos do dia a dia. A erva-mate faz parte da listinha de compras.

Da mesma forma, faz parte da rotina o cerimonial de preparação e de consumo do Chimarrão. Sentar-se na companhia de familiares para saborear e compartilhar momentos de prosas, conversas, fazer planos,discussões, decisões, divergências, comentar sobre as previsões do tempo, sobre a política, e até fofocar…porque não?

Dia desses vi uma publicação no Facebook que dizia: “o Chimarrão é exatamente o contrário da televisão, te faz conversar se estás com alguém e te faz pensar quando estás sozinho.” 

Tenho um amigo (Artur) apreciador incontestável do Chimarrão diário. Perguntei o que o mate, como ele prefere chamar, representa para ele: “para mim o Chimarrão sempre foi um ato solitário, de reflexão, de ficar matutando na vida. Prefiro, assim vou sorvendo o mate e remexendo os pensamentos ou ouvindo uma boa música e deixando a mente viajar pela canção. Mate acompanhado passa a ser um ato solidário, pois a conversa corre solta, às vezes alegre outras vezes triste ou mesmo tensa. O fato é que chimarrear com um amigo ou amigos é um ato de solidariedade, pois não importa o tema, ambos dedicam seu tempo e atenção para compartilhar idéias. A água quente do Chimarrão aquece e aconchega a alma!”

Outra amiga (Zuleide) deixa uma mensagem no grupo: “saudades de uma roda de bom papo, boas risadas e Chimarrão com minhas queridas amigas. Saudades…”

O Nono e a Nona reclamam: “o Fabio (neto) todos os dias passava aqui e pedia um Chimarrão, mesmo com pressa, às vezes em pé mesmo, mas dava bom dia, trocava umas palavras, tomava uma cuia e ia trabalhar!”

E veio a Covid-19! E agora como fica nosso Chimarrão se o maior meio de transmissão do vírus é através das gotículas da saliva? Para quem não conhece ou não aprecia, pode simplesmente dizer que é só suspender esse hábito ou cada um usar sua cuia, sua bomba. Já vi até que criaram roda de Chimarrão virtual. Válido para manter o distanciamento social.

Porém a essência do ritual de chimarrear é a partilha, o comunitário, sentar-se com o outro, convidar e acolher, ofertar e receber. Roda de Chimarrão é hospitalidade, amizade, boas conversas, respeito, seguir regras da sequência, e faz fortalecer vínculos familiares e de amizade.

Servido em família ou para visitantes, ao amanhecer com um bom dia, à tarde para uma boa tarde ou à noite para inspirar bons sonhos, o que importa é o diálogo, a solidariedade como diz Artur, celebrar a amizade e matar a saudades com diz Zuleide ou o Fabio que não precisa dizer nada…estar presente é sinal de amor, de carinho, de cuidado. É dedicar um tempinho para cativar e deixar-se cativar.

Em tempos de tantos desencontros virtuais, vamos reinventar O NOSSO CHIMARRÃO DE QUALQUER HORA e quem sabe buscar outra vez a sabedoria dos Guaranis e deixar as boas conversas (e mesmo as conversas tensas) fluírem de coração e almas abertos! O mundo pede pausa, a vida quer leveza, a fraternidade pede passagem!

Lourdes Salette Cezari de Aquino, Joinville (SC)