
Dia 136 (talvez)
Os dias passam perdidos, embora ainda exista calendário e então eu sei há quanto tempo, mais ou menos. Eu estou de luto profundo por desconhecidos, pelo mundo de que não tinha medo e, principalmente, pelas minhas próprias ilusões. Eu estou sofrendo a dor de não saber mais quem eu conheço. No começo, minha vida social estava tão ativa, no relacionamento íntimo com a tela, que cheguei a ficar cansada.
Hoje, sinto-me desamigada. Das pessoas que retomaram relações, não sou. Desfiz um laço de quinze anos e disfarço o gosto amargo com meus remédios. Ele tenta me consolar, e eu gostaria que ao menos tivéssemos um lar. Não teria tanta inveja assim. Acredito, apesar do descrédito. E da escassez. A falta de dinheiro me sufoca em favores que choro. Na minha própria língua, não dominei nenhum passatempo novo.
E agora eu estou envelhecendo, porque me olho no espelho todos os dias. Tenho tanta vontade de fumar quanto de tomar chá, e se ao menos eu fosse vegetariana… A melhor coisa que fiz na cozinha foi quebrar ossos.
Apesar dos nadas, estes são dias agitados. Passei quinze deles no hospital porque minha mãe levou uma picada de aranha que não sentiu. Chamei os bombeiros. Hoje, levei uma mordida de gato. Pode ter sido ontem.
Gostaria que soubessem que, apesar de tudo, estou feliz. Mas a felicidade tem se tornado mais complexa e ainda mais pesarosa. Não posso e não admito. Não aceito. Ao mesmo tempo, não sei muito bem o que fazer. Parece que, apesar da felicidade, a palavra é não. É cada vez mais difícil dizer do que sou a favor porque agora parecem objetivos inatingíveis. E por que você continua lutando?
FriendlyCheesecake, Brasília (DF)