
Diário de uma Pandemia – “Nós, os velhos”
Motivada pela necessidade, foi que tomei a iniciativa de escrever como lido com o “isolamento social”, consequência da pandemia na qual vivemos.
Necessidade de quê? Não de aprovação ou adesão, mas de desabafo, de dizer: – “mundo, você achou mesmo que eu não ia me encher?”.
Na definição da minha filha, eu sou uma velha de 67 anos. Velha, porque “idosa” é uma hipocrisia muito grande. É como chamar o gordo de gordinho, uma reles tentativa de minimizar a condição. Ser velha é ter muitas histórias, uma vivência rica.
Se eu já era velha antes da pandemia, agora, envelheci muito mais.
.
Certos velhos têm uma particularidade: apreciam a privacidade deles e respeitam a dos outros. É aí que eu me encaixo.
Moro sozinha com 3 cachorros. Como dizia minha avó, tenho “precisão” de ficar só. De ter as minhas coisas nos seus devidos lugares, de manter uma baguncinha gostosa, de ter-e-não-ter uma rotina, e do prazer de escolher qual será a atividade da vez.
Tudo seguia nos conformes na minha vida, quer dizer: eu mantinha os olhos e a boca fechados a tudo para melhor conviver. É uma das castrações que advém com a velhice. A nossa rebeldia, o nosso “dizer o que pensa” fica reprimido. A gente é velha mesmo, ninguém dá valor ao que dizemos, nunca sabemos de nada, passamos invisíveis como fantasmas, mas os argumentos dos jovens, estes sim, são musculosos, treinados em academia, forjados pela tecnologia. Deixa eles.
Os velhos gostam de andar, pra lá e pra cá. Aparentam não ter rumo, e, se são aposentados, acabam definidos como “vagabundos”, nas palavras de certo político.
Entram numa loja, fazem cotação de preço, papeiam com os conhecidos, vão à igreja, pausam para um café, uma risada, um pastel, uma consulta médica, uma passada na farmácia, uma lida no jornal, compram uma bobeirinha nas antigas lojas de 1,99, observam tudo e voltam pra casa com a sensação do prazer cumprido.
Eis que chega a pandemia e nos aprisiona no isolamento social.
Antes disso, receber um abraço de algum membro da família ficava restrito ao dia do nosso aniversário e ao Natal e, agora, nem isso.
Se já tinha sido difícil prá gente aceitar a entrada do celular nas nossas vidas, como um parente intrometido, o que dizer de agora, em que o mundo se deixa hipnotizar por ele?
Ah! – “Mae, deixa sempre o celular ligado, pra quando eu quiser falar com você” ou – “Por quê você não responde o whatsapp”?
O isolamento social é muito mais do que deixar de dar um rolê no centro da cidade. É nos impedir de respirar, quando o ar doméstico se torna rarefeito.
Sem contato pessoal, acumulamos um número grande de “amigos” numa rede social, que nos entopem o celular com pensamentos de outras pessoas, críticas, enormes textos e vídeos. Alguns, não raramente, massacram a Língua Portuguesa.
Foi-se o tempo em que as pessoas falavam de si e perguntavam “como vai você”.
A tv e o rádio sempre entraram em nossas casas, com a nossa devida permissão. O que preservava a privacidade era um aparelho chamado “controle remoto”. O Whatsapp não nos dá essa opção.
Não, não se trata apenas de saudosismo. É que eu sou do tempo em que as amizades tinham sonoridade. Do tempo em que as pessoas se falavam pelo telefone. E ao invés de ler kkkkkk a gente ouvia deliciosas gargalhadas. Hoje, as pessoas emudeceram.
Nós, os velhos, fomos inseridos na tecnologia do quanto mais amigos, melhor. Apesar de nossos valores. Valores esses, para os quais ninguém dá a mínima.
Num gesto de extrema rebeldia, eu desativei o whatsapp. Alguns perguntaram, estarrecidos: – “kd vc”.
Maci Nogueira, Mogi da Cruzes (SP)
