
É DIFÍCIL ACOSTUMAR
65 anos de vida, 40 anos de magistério. Formação em Geografia por uma renomada universidade paulista.
Contrato temporário como professor de ensino básico há 1 ano. Tempos difíceis. Tempos pandêmicos.
“Se juntou”. Separou. Casou. Depois separou de novo. Dessa última vez, de forma bem traumática: perdeu dinheiro, casa, parceria de afeto e vida. Chegou a vender água na feira.
Hoje recebe demandas:
– O senhor sabe, com a pandemia, a secretaria pede pra gente enviar relatórios, postar formulários, entrar em links de “classrooms”… ou ficamos sem receber. Eu comprei meu primeiro computador ano passado… não sei nem “pra onde vai” com a maioria das coisas.
Tem demandas:
– Nunca achei que pudesse ter medo disso. Medo… de enlouquecer mesmo, sabe? Com tudo que tá acontecendo, a crise, o país, as pessoas morrendo, e o trabalho pressionando. Parece que não vou aguentar. Faço de tudo pra não abrir espaço pro medo, porque tenho receio de pensar em coisas piores. Até de me matar. Perdi meus pais aos 16 anos, o senhor sabe… cheguei a fazer terapia por um tempo, quando tinha dinheiro. Mas nunca usei remédio.
E ainda encontra energia para ensinar (mesmo que não reconheça):
– Antes desse caos começar, eu tava ensinando também sociologia e história na escola. Os jovens precisam aprender a refletir sobre o que move a nossa vida, né? Como o Estado e a Religião. O Estado pode representar o espaço e o que fazemos dele, na nossa vida íntima e em sociedade também. E a Religião é símbolo, né? Um símbolo do tempo, das nossas escolhas, dos nossos valores.
A pandemia e suas transformações. É difícil acostumar…
Arthur Fernandes da Silva, Brasília (DF)