
Num agora
Sentir o nada como o sentido de tudo me lembra a palavra vazio, aquela parte do copo meio cheio, em que só existe o que não está. Não sinto cheiro nem gosto e o que dói passeia pelo corpo em busca de motivo, pois não há choques ou tropeços. Penso muito em canções, mas não às canto e chego a achar que elas não resistiriam ao som de todo esse silêncio. Parece que me torno aquele vaso de flor esquecida… Dia a dia, murcho devagar e assisto ao mergulho das folhas caducas sobre a mesinha que me abriga, também esquecida. O bom é que, às vezes, a pandemia esquece-me na leitura de um poema, numa taça de vinho, num beijo da Ana ou num sorriso de filha. Também é bom saber que ainda há o mundo e as pessoas fora deste texto.
Bruno Ramalho, Brasília (DF)