Vazio

Um grito que se espalha, sem origem, sem eco como um tiro. No vazio, um grito vazio, uma pessoa vazia gritando. A cidade vazia e os prédios que arranham o céu, lotados, enquanto o grito arranha a garganta. 

Ninguém ouve o grito: toda a lotação do prédio está empenhada em abafar as vozes internas, externas, alheias ou pedindo socorro. Só há paredes e elas não têm ouvidos, tampouco se ouve através delas. Está tudo abafado.

Faz uma noite abafada. O grito segue abafado, estéril e de máscara. A rua não tem vida. Esse louco que grita, confinando o próprio grito, eu o projeto e vejo, imagem do meu desespero latente.

Eu o vejo, externo, numa rua similar a meus becos internos, os quais tenho medo de visitar e não visito: apenas observo, há metros de distância. 

Distante, noto os escombros e ruínas, o lixo pelo chão, as grades e os tijolos caindo, as sombras dos cadáveres que não sou. Ou sou? Meu eu confinado em uma quarentena de anos – ou seria de uma vida – abafa um grito. Meus vazios. 

São quilômetros quadrados de desespero, através do tempo. 

O presente está congelado há muito mais que uma quarentena.

Gabriela, Jundiaí (SP)