A REBELIÃO DO ARMÁRIO

Entrei no quarto silencioso e escuro. Pretendia acender a luz quando ouvi sussurros. Espreitei, tentei entender o som, que às vezes recrudescia. Mantive a escuridão e dei mais alguns passos que me levaram em direção ao armário. Como assim? Alguém dentro do armário?  Que barulhos abafados eram aqueles?  Aproximei-me mais ainda e com muita cautela entreabri a porta do armário. Quase cai para trás de susto! Eu ouvi! Eu ouvi, mesmo!

Uma voz forte disse: eu represento os vestidos e estamos revoltados com a situação atual! Aqui pendurados não temos visto nem as paredes do quarto! Vozes mais estridentes, em uníssono falaram juntas:  e nós? Desde o ano passado não damos nenhuma ‘voltinha’! A ‘nobre lady’ não se digna nem a nos olhar, mesmo no inverno. O que são camisas para ela? Nada, menos que nada, alteou uma voz entre todas.

Vocês não são as únicas esquecidas! Nós também estamos relegadas a um canto do armário, totalmente sem ação. Um som esganiçado ecoa:  mentirosa! Eu vi você, dona calça, saindo com um blusão de lã. O que me diz disso?

O mencionado blusão, com voz grossa e retumbante logo se apresenta: o que? Estão me vigiando? A mim e aos meus companheiros? Estamos no inverno, ora, mais do que certo que nossa querida dona nos use. Ela fica tão linda de lilás e verde!

Olha só o puxa-saco, grita uma saia! Ela também fica elegante quando nos veste. Somos de várias cores e ela nos adora!

Casacos e jaquetas logo exprimem suas opiniões:  ora, ora sem nós ela não poderia passar o inverno!

Há! Há! Intrometem-se as calças de malha de algodão: ela nos usa quase todos os dias. Somos as preferidas! Calma lá, reagem as camisetas. Nós também somos favoritas, pois nos escolhe para fazer seus exercícios, suas caminhadas e se estatelar no sofá, às vezes lendo, outras assistindo o que ela chama de série.

E os sons aumentam, pois estão insatisfeitas, injuriadas e totalmente revoltadas, as roupas do armário.

Os lenços, cachecóis, echarpes, esbravejam que são usados somente em casa, como se fossem panos velhos. As meias, loucas de raiva, nem mais aceitam companheiras antigas e surradas, as mais usadas pela ‘madame’!

Que falta de elegância e charme dizem as roupas enfurnadas no armário! Não poderia ter mais capricho e se vestir melhor para jantar, almoçar ou tomar o chá da tarde? Os pijamas estão felizes, protestam as roupas novas, principalmente. Eles são usados, lavados e estão sempre cheirosos.

Gente, esperem por nós, os sapatos, as sandálias, as botas, que nem saímos das caixas! Os cintos, coitados, pendurados continuam, sem esperanças de uso. Que ingratidão da nossa dona! Só as pantufas são calçadas.

Em coro, bem orquestrado, as roupas decidem se rebelar e lutar por sua liberdade de sair! Combinam que assim que as portas do armário se abrirem pularão sobre sua dona e exigirão seus direitos de livre locomoção. Em altos brados gritarão: não queremos mais ficar confinadas! Vamos para a rua!

Em surdina, recuo lentamente e no escuro saio do quarto. Vou dormir no sofá da sala, meu querido e paciente companheiro de todos os dias. E assistir minhas séries. De pijama!

Maria Teresa Freire, Curitiba (PR)