
acordei chorando por minha insignificância. me sentindo um estorvo. sozinha. chorei sem alívio algum. falei um pouco com meu filho sobre, mas nada que desse a ele ou a mim algum tipo de alento. lavei a cozinha com medo de escorregar no sabão e me machucar. cozinhei. mantive a compostura em todas as mensagens por whatsapp. à tarde, de novo, desandei a chorar. vi o pôr-do-sol ficando rosa por entre a tela da janela. chorei pela vontade de ir à rua e ver, de pulmões cheios e braços soltos, o céu. chorei pela lembrança do céu. a pandemia roubou o futuro, disse o escritor hoje. futuro. tudo o que não vivi. viverei? com ou sem pandemia? amor, eu viverei o amor? a sala está laranja e cinza. queria chorar alto, mas não faria diferença. tanto faz. tenho impressão que existo só pelo que faço, não pelo que sou. também não sei o que sou, só o que faço. me sinto diluída na casa. uma fumaça que percorre os cômodos. o cheiro acre do cigarro. do suor. do desodorante masculino que meu filho comprou sem querer pra mim. diluída, sem sentido.
Marília Bonas, São Paulo