
Entre o sonho e a flor
O sono e o estado de vigília sempre se misturaram para mim. As vezes tenho a impressão que sonho acordada. E nesse sonho, toda gente sabe que durmo.
No profundo do peito, sinto a respiração – ora leve, ora pesada – tudo que respira, vive. Mesmo em sonho, ou melhor, em estado de sonho, será que vivo?
Vivemos em eternos estados. Estando aprendemos a ser. Somos quando estamos presentes, mas somos ainda mais em nossa ausência. A ausência nos mostra que algo falta no que se apresenta a nós no momento e é assim que sentimos o presente.
O presente muitas vezes nos é cheio de ruídos. Sons, que se mesclam ao nosso querer. Também a beleza nos pede algum silêncio.
Desde que aterrei no interior de São Paulo sinto que muitas vezes faltou o silêncio. Afinal, o que é o silêncio? Será o olhar para dentro? Será o entendimento teso de que ao nos olharmos no espelho enfrentamos a nossa própria imagem? O espelho é o maior dos silêncios, é um estar completo em si. E as vezes isso é muito equiparável ao sentir-se só. Mas quando não estamos só? A beleza também nos pede algum silêncio.
Uma vez minha avó me disse: como o bambu, vergue-se ao vento, mas não ceda. Não sei se entendi. Não sei se naquele momento havia um sentido em sua fala. Havia beleza, isso de certo que sim. Mas como a beleza pede algum silêncio, calei.
Na natureza nada morre, tudo se desloca. Talvez esse seja o ensinamento. Se vivemos em eternos estados, nos transformamos e nos deslocamos a todo momento então, Não ceda. Não caia, não quebre, não se quebre. Parta. Se reverencie ao tempo e ao tempo das coisas. Da criação, da morte, do novo e do antigo. Voe, mas mantenha os pés próximos ao chão. Se aterre, mas nunca deixe de sonhar. Acho que essa pode ser uma das mil explicações possíveis para o que disse minha avó. Talvez não. Mas eu preferi acreditar que sim.
Assim como minha avó, marco as páginas de meus cadernos com flores secas. Pois as flores, elas não morrem. Elas têm um tempo certo para cumprir seu papel de flor para depois permanecer no imaginário daqueles que tiveram a sorte de cruzar com elas enquanto caminhavam pelas ruas numa tarde de primavera. Estávamos o mais perto que duas pessoas poderiam estar e mesmo assim, cada uma em seu mundo.
As flores caminham conosco.
Já disse que as vezes acho que vivo em eterno estado de vigília? Ah sim, isso é. Como as flores, reverencie-se ao sol, mas não ceda.
Mariana Castanho, São Paulo (SP)