LATINO-AMERICANOS À PROCURA DE UM LUGAR NESTE SÉCULO: SOBRE A ATUALIDADE DA OBRA DE NÉSTOR GARCÍA CANCLINI E O QUE ELA TEM A NOS ENSINAR
“Em tempos de pandemia, é preciso saber o nosso lugar no mundo e como fazer a diferença nele irmanando-nos, pois a humanidade precisa de união, amor, compaixão e crença na ciência e nas artes para que as coisas caminhem”
A obra Latino-americanos à procura de um lugar neste século é um ensaio antropológico do pesquisador argentino Néstor García Canclini que vale a pena ser lido pelas pessoas das mais diferentes áreas sejam elas da Humanas, Biológicas ou Exatas. Embora pertença à área de humanidades, há abordagens nessa obra sobre questões políticas, culturais, econômicas e sociológicas a serem consideradas e que demonstram a sua importância além de a leitura ser agradável, rápida e de fácil compreensão.
Canclini pretende com esse estudo fazer o leitor entender o seu lugar como latino-americano no mundo, por isso discorre sobre como a cultura latina está inserida na América; para ele, o interesse dos povos hispano-americanos pela cultura brasileira cresceu consideravelmente a partir dos anos 2000 assim como os brasileiros também buscaram maior interesse pela cultura dos argentinos, peruanos, chilenos, etc. Esse dado é importante já que o Brasil, de certa forma, é isolado linguisticamente dos demais países latino-americanos e somente de uns tempos para cá que houve um crescente interesse mútuo. A cultura da América Latina é muito forte, muito rica e ganhou força nos últimos anos:
O crescimento das ciências sociais na América Latina a partir dos anos 50 gerou novos paradigmas, mais embasados em pesquisas empíricas. Seus modelos mais influentes, inclusive na análise cultural, foram as teorias desenvolvimentistas e da dependência. Também nessas correntes o debate sobre o nacional foi decisivo. Para o desenvolvimentismo, a industrialização econômica de cada nação superaria os “obstáculos” das tradições pré-modernas e a conseqüente heterogeneidade sociocultural de nossas sociedades. Embora desde meados do século XX as vanguardas artísticas e intelectuais tenham procurado internacionalizar a produção simbólica e o gosto, sua proposta era sintonizar as inovações das metrópoles com os projetos de modernização nacional. Assumindo outra perspectiva, os estudos sobre a dependência viam na subordinação dos países latino-americanos a raiz de nossos males, e entendiam, portanto, que estes se resolveriam com um desenvolvimento nacionalista, econômica e culturalmente autônomo. (CANCLINI, 2017, p. 42-43)
Para entender o porquê os latino-americanos merecem um lugar de destaque, o antropólogo trata de outros assuntos como a importância da abertura de capital ao estrangeiro, além de fatores econômicos de fortalecimento como o Mercosul; a globalização permite a abertura econômica já que a imigração passa a ser, nesse caso, figura central assim como a busca pela identidade, a adaptação a línguas, costumes e culturas – em especial a indústria cinematográfica – formando, então, uma sociedade cosmopolita. Também fala sobre as multiempresas como a Televisa e a Rede Globo que exportam suas novelas e programas para a Europa principalmente fazendo com que o contexto sociocultural esteja imerso na cultura latino-americana e permite uma visibilidade maior dos latinos na Europa.
A digitalização também é um fator de contribuição à globalização, mas para que ela aconteça, é necessário que as sociedades tenham o básico: acesso à eletricidade e ao telefone. Ele aponta também muitos problemas estratégicos dos governos latino-americanos como não consumir tanto a cultura local como, por exemplo, países de fora da América Latina o fazem com a cultura latino-americana. Para termos ideia, no ano passado, o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor brasileiro Machado de Assis, lançado em 1881 pela primeira vez, foi relançado em inglês nos EUA e esgotou-se em apenas um dia: prova de que a cultura latino-americana é muito interessante, de qualidade e instiga as pessoas ao redor do mundo. Problemas como a desigualdade social, ao passo que os países latino-americanos crescem, continuam presentes na sociedade.
Para Canclini, a partir do momento que o latino-americano passa a entender o seu lugar no mundo, ele passa a figurar como um cidadão que deseja “explorar”, ou seja, interagir, ter contato com outros povos e outras culturas, isso acaba irmanando os povos latino-americanos e eles acabam buscando sua relevância no mundo, além de almejar o crescimento do seu respectivo país. Permite-se, assim, a abertura econômica a outros países para que a globalização esteja cada vez mais presente. Valorizar a cultura latino-americana ao mesmo tempo que um dos fatores seja a presença de multinacionais como forma de fortalecimento das economias e políticas latinas é uma forma de desenvolvimento.
Esse livro assume papel fundamental para as sociedades da América Latina porque faz entender a importância do desenvolvimento interno político, econômico e sociocultural dos países latino-americanos; ao passo que a sociedade se torna cosmopolita, temos então a abertura ao capital estrangeiro e intercâmbios principalmente com países europeus. Não podemos nos esquecer de que a partir do momento que você tem uma sociedade plural, globalizada, setores como as ciências e as artes serão os principais beneficiados e trabalharão em conjunto; ou seja, a comunidade científica internacional passa a trabalhar junta em prol de todos:
“Não haverá desenvolvimento equilibrado para o conjunto de cada sociedade, nem poderão crescer a pesquisa científica e a inovação artística, em países onde as indústrias audiovisuais funcionam como paraísos fiscais.” (CANCLINI, 2017, p. 113)
Outro problema apontado por Canclini: paraísos fiscais e sonegação de impostos das grandes empresas, dois fatores que também impedem o crescimento dos países e que precisam ser revistos. Nesse momento difícil que atravessamos, passemos a refletir mais sobre o que queremos para nós, nossos países, nossa sociedade, nosso mundo. Nossas escolhas refletem no futuro. Canclini é uma excelente companhia para essa quarentena: sem perder de vista a valorização do nacional, é preciso que nos globalizemos, pois assim todos nos ajudaremos.
Fiquem bem e ótima leitura a todos!
Laís Gerotto de Freitas Valentim, São Paulo (SP)