Carlinhos está em todas. Não perde uma. Panelaço a favor, contra, Perfil  rede social de luto, laço de todas as cores, faixa embaixo de sua imagem, me representa, não me representa. Frase efeito nas redes sociais, hashtag…. no nosso grupo de whatsapp aqui do prédio, ele chega a ser cansativo. 

Antes mesmo da gente terminar de digitar Carlinhos está mandando um emoji, um meme, um sticker, um bonequinho personalizado  com algum cartaz genérico. 

Será que ele trabalha?  Carlinhos  é inofensivo, anda com aquela mochilinha surrada e um All Star azul todo sujo, com barba por fazer e cabelão estilo esqueci de pentear.

 Conheci a mãe dele. Um doce de mulher. Preocupada, esforçada e super mãe. Vivia gritando na janela pra ele subir que a vitamina estava pronta, que o misto quente estava esfriando, se ele queria batata frita ou purê. E lotava a geladeira de sacolés de frutas, a única maneira de fazer Carlinhos, todo orgânico e vegano hoje em dia,  comer frutas. 

Terça lá na casa de Carlinhos era o dia da sopa amarela. Ela batia os legumes no liquidificador para ele pensar que era sopa de batatas. Coitada da Dona Regina, cortou um dobrado pro menino comer abobrinha, chuchu, beterraba. Era tudo escondido. Beterraba no feijão, espinafre no muffin de chocolate, legumes na tal sopa de terça-feira. 

Carlinhos, agora todo trabalhado no hashtag #goveganfortheanimals, estudou em escolas privadas, foi a Disney com 15 e teve seu carro aos 18 anos. E apesar do seu super plano de saúde,  ele estava super nervoso essa semana com o resultado positivo de seu exame de Covid. Aglomerações em tempo de Pandemia não é uma boa ideia.

E uma bomba relógio essa doença desconhecida. Como saber a hora de ir ao hospital? Como saber se a falta de ar não é a ansiedade?

Ele sempre foi meio elétrico, sem sossego, mas agora está em silêncio no seu apartamento do décimo segundo andar. 

Eu mandei uma mensagem pra saber se ele precisava de alguma coisa hoje cedo. Ele só me respondeu no fim da tarde. Eu fiquei horrorizada com o que ele me contou. 

Você acredita que os vizinhos de porta pediram pra ele ir pra casa de uma tia, ou um hotel, para minimizar a chance deles contraírem a doença? A tia do Carlinhos tem 77 anos, é do grupo de risco. Sem noção essa vizinha. Que diga de passagem recebe manicure e cabeleireira em casa, e não dispensou sua diarista. Serviços essenciais, pelo visto.

Ele disse que só o Josias ofereceu ajuda. O folguista de sábado, da portaria. Ele que está levando os remédios, o pão, essas coisinhas básicas. 

Carlinhos disse que a vizinha da frente, enfermeira está sendo hostilizada também. Acham que ela não deveria usar o elevador, e avisar os horários para que tudo seja desinfetado. Isso depois dos aplausos aos profissionais de saúde. Imagina, depois de um plantão tenso a coitada subindo doze andares de escada. 

O povo esquece que a terra é redonda. Que um dia podem precisar dessa enfermeira no seu leito de hospital. E que é preciso ser gentil para que a vida retribua. 

Honestamente, que a gente saia melhor dessa pandemia. Pra isso serviu, para que a gente se conscientize que não dá para ser individualista em meio de uma pandemia. Dependemos uns dos outros. Dividimos o mesmo planeta, precisamos da sua quarentena para que a minha faça efeito. Que é desagradável, mas necessário o uso de máscaras, o distanciamento. Que é necessário o respeito ao outro, e a vida.hashtag # be kind people. 

Enfim, hoje é terça, estou aqui fazendo a sopa da Dona Regina pra levar pra ele. As vezes só um colo de mãe prá levantar o nosso astral e imunidade.

Marcelle Esteves, Inglaterra