
BICHINHO MALDITO
Desde que apareceu o bichinho maldito não posso mais sair de casa.
Sinto saudades dos meus dias perambulando pelas ruas me ocupando com a vida dos outros.
Meu cotidiano era ir ao mercado, à feira, às lojinhas, à farmácia…
No caminho conversava com as pessoas e me inteirava das coisas do bairro.
Já marcava os encontros.
Tomar um cafezinho na casa da Gertrudes, comer tapioca na casa da Maria…
A lista era de perder de vista!
Daí veio o bichinho maldito e tenho que me aquietar.
Aquietar… Só por que ele quer!
Eu acordo cedo e já começo com as ligações. Ligo para a família…
E aí Júlia? Está no sítio? Vendo muita minhoca?
E vou ligando…
Depois ligo para as amigas. Todassssss!
E aí Gertrudes? Como está? Ela responde: “Tudo bem.”
Tudo bem para mim não é resposta. Vai se indo. Também não é resposta, não!
Que isso Gertrudes, desembucha mulher! Tenho uma hora e meia com você!
“É que o Olavo trabalhava fora. Agora ele está em casa o dia inteiro, e a gente briga.”
Ah! Gertrudes, faz de conta que ele é um fantasma. UUUUUU! Não dá bola, não!
Depois que termino as ligações vou me ocupar com a varanda.
Ainda bem que moro no 10º andar. Daqui tem uma boa visão de tudo.
O povo faz ginastica, lê, cuida das plantas, come, bebe, dança, conversa, ouve música…
Sei de tudo! De andar a andar.
Mas, antes de ir para a varanda eu preparo as coisas. Coloco uma mesinha com água, suco, frutas, biscoito, lanches…
Porque não posso perder tempo.
O tempo que perco de ir até a cozinha pegar alguma coisa já perdi um lance.
Fico até de madrugada.
A Dora falou para eu assistir televisão. Não gosto, não! Não é vida real. É gravado.
Aqui na minha varanda eu tenho a vida real. Entende?
Marisa de Jesus, São Paulo (SP)