Três por quatro

“Estranho, eu não me lembro da fisionomia dela” disse Helena com notável tristeza em sua voz enquanto olhava o pequeno retrato preto e branco. Ela falava de sua mãe que falecera muito jovem quando ela tinha apenas onze anos. Desde então, Helena assumira o tradicional posto familiar de dona de casa.

Nunca a vi queixar-se disso. Tenho a impressão que ela encara esses fatos com um “tinha que ser assim”. Não sei dizer se é algo bom ou ruim. Talvez seja por isso que essa postura chama a minha atenção. Pouco sei sobre a mãe de Helena. Em linhas gerais, apenas duas coisas: teve uma vida muito sofrida e tinha mania de limpeza.

“Lembro-me da fisionomia dela nessa época. Eu era criança.” disse minha mãe para Helena. Nisto, eu evoquei a fala de uma colega de faculdade sobre o pai também falecido. Era sobre como o tempo ia apagando as memórias que ela tem dele – pouco a pouco. Eu senti um fragmento daquela sua dor. E foi horrível. Pela primeira vez, notei que o tempo consola, pois torna menos dolorida a saudade. Mas, em contrapartida, desola, pois torna menos certas as memórias.

Helena conserva memórias bem específicas da mãe. A que mais me atrai, por sua particularidade, é a mania de estender as roupas no varal. “Cada peça tinha que estar perfeitamente esticada e presa por no mínimo dois prendedores bem limpos” disse Helena com voz firme. Como a da mãe. “Ela era uma mulher brava” minha mãe comentou.

Helena instantaneamente concordou com um balanço de cabeça. Ela bem sabe que herdara essa característica, bem como a mania de limpeza. Sua casa, que ainda possui traços da época em que a mãe era viva – banheiro monocromático e azulejos azuis na cozinha – é a mais impecavelmente limpa da rua e as roupas sempre estão perfeitamente estendidas nos varais do quintal.

Thaís Lopes, Bragança Paulista (SP)