Não é nada fácil estar confinado longe de uma criança

Mal consegui ler o lindíssimo texto do Gregório sobre ele e a filha em confinamento, tantas as lágrimas que jorraram do fundo da falta que sinto do menino o tempo todo.
Ontem vivi o privilégio de ter participado da transformação de uma máquina de lavar roupa em parceria com ele.
Abençoados sejam o zap e suas vitais ligações de vídeo.
O único lugar do apê da Dê onde bate um pouco de sol é em metade do topo da Brastemp por uns 20 minutos ao dia.
Estávamos os três cacarejando enquanto a Dê lavava louça qdo percebi o pequeno sentado num cadeirão de frente pra máquina.
Ele andou aprontando e está de castigo?
Que nada, é para ele pelo menos ficar perto de um tico de sol.
O menino se recusa a colocar o pé pra fora por causa da máscara.
E olha que da janela dá pra ver o parquinho vazio e veículos passando na rua, dois dos favoritos.
A Dê está tentando treiná-lo pro futuro mas por enqto ele continua chucro e não pode nem ver uma máscara que sai correndo na direção oposta.
Pelo menos ela teve sucesso em treiná-lo pra dizer que me ama.
Me desconjunto inteiro toda vez que isso acontece apesar de ciente do condicionamento intenso a que foi submetido.
Ele tem loucura por um painel de carro batizado de Volante.
O guri gosta de palavras distintas, já dá pra ver.
Chave, câmbio, porta luvas, direção, buzina, retrovisor e quetais, completinho.
Encarna o motorista de corpo e alma do alto de suas três semanas de prática ao Volante e quase quatro anos prestando muita atenção a tudo o tempo todo.
Senta, coloca o cinto, convida o pai para uma voltinha, dá a partida e dirige de verdade. Estaciona na loja, pede um carrinho e biscoito pra moça, manda o pai pagar e pega o troco antes de voltar pro chão da sala.
Dê, corre e pega o Volante, bota em cima da máquina e liga a bicha na centrifugação!
Vai virar um caminhão de lixo, como os muitos que vemos passar em frente à Fornada.
Dito e feito.
Em um átimo tínhamos um caminhão de lixo quase de verdade incorporado à extensa frota de veículos automotores e um lindo foguete enorme de madeira que a Inga deu de presente.
Tem sido interessante brincar com ele à distância apesar da óbvia incompletude e incontornável dispersão.
Os professores devem estar penando com as aulas remotas, sempre penso qdo ele desgarra do nosso assunto distraído por algo em seu entorno.
Se antes os aplicativos arrancavam as pessoas da vida, agora estão colocando um pouco da mesma vida de volta.
Há uma historieta que envolve os dois inspiradores destas palavras, Gregório o artista e Murillo o infante.
Conhecemos nosso amiguinho de alguns instantes Gregório na Fornada, nossa padoca local onde o delinquente infantil reina absoluto.
Gregório é um sujeito bastante humilde e simpático ainda que um pouco tímido.
Nem pareceu ligar por eu não saber seu nome.
Alguém há via me encaminhado um Greg News no dia anterior.
Eu não conhecia e havia achado demais.
Fiquei encantado com a descoberta e mais ainda com a coincidência logo na sequência.
Foi como se ele tivesse pulado do celular direto pra mesa ao lado.
Depois de checar se era ele mesmo e me desculpar por não saber seu nome, agradeci pelo excelente trabalho tão necessário e inspirador.
As meninas me passaram a ficha completa entre sorrisinhos quando ele se foi.
Gente fina o Gregório.
Naturalmente o pequeno, como de praxe, o encantou em alguns segundos e monopolizou a troca matinal e ensolarada.
Nos despedimos e fomos tomar um solzinho na mureta de um canteiro cheio de terra que já faz parte da nossa geografia íntima e é infestado por tubarões e dinossauros gigantêsmicos muito cheios de dentes.
Baleias e jacarés aparecem de vez em quando, dependendo das condições e imaginação.
Mais uma adorável manhã amorosa de aventuras na Fornada.
Privilégio.
Acabei de ser interrompido pelo bacuri.
Ôvado!
Qué brincá comigo?
Cavalgamos o dinossauro azul, demos um rolê no ômbushhh vermelho, falamos do macaco que vive pendurado no quarto desde antes dele nascer, dos aviões e cópteros que vê passando na janela e do livro de tividadis da escola, fechando a sessão com um pulo até a lua de foguete.
Nos despedimos com o já clássico te amo.
Hoje filmei um cóptero pousando e decolando do topo do hotel lux de luxo aqui do lado.
É sempre um evento e tanto qdo ele está aqui e um cóptero se aproxima.
Assim que ouvimos o barulho saímos correndo até a varanda pra assistir, ele sempre em pé na mureta apontando e tagarelando pelos cotovelos.
Pedi pra Dê mostrar pra ele.
Amanhã vai ser dia de cóptero pra Brastemp.
Mal posso esperar pra descobrir até aonde ele vai me levar.

Vado Mesquita, São Paulo (SP)