Não teve Quarup   

A iminência da morte tem atravessado os nossos caminhos cotidianos de tal maneira que já nos contam os pajés que a terra está densa. 

Ninguém estava mesmo preparado para receber essa imensa jorrada de encantados.

Nosso terreno está repleto dessa densidade orgânica nutrindo momentos de uma solidão inexplicável que devoram-se aos ataques de raiva. 

Mortes estão entre nós ou nós estamos entre mortes?

O que acontece é que ninguém estava esperando que em nossos caminhos cotidianos a gente tivesse que esbarrar o tempo todo com um morto nosso.

O que acontece é que ninguém estava esperando que em nossos caminhos cotidianos a gente tivesse que esbarrar o tempo todo com uma morta nossa.

A roupa ainda está espalhada no canto de dormir, e cruzar em frente ao monte, é sentir o cheiro da sua pele e não ousar tocar… 

Assim, andamos vestidos com a mesma roupa há 40 dias +

Andamos vestidos na roupa do luto há 40 dias + …

O luto caminhando na hostilidade de nós pode estar em fase de extinção.

Esvaziamos ao máximo os ritos dos Josés, Marinalvas, Antônios, Lúcias, Marias, Enzos, Aritanas…

Esse ano terá Quarup!!

E no tronco do cacique Aritana Yawalapiti, evoca-se palavras do mestre Ailton Krenak que escreveu um poema em sua homenagem:

UM OUTRO CÉU

Sumiu, mesmo!

desde sempre esteve oculto

nas dobras do tempo

inescapável como o raio em noite escura

desce à terra para trazer dor e loucura.

Escondido nestas dobras

dormita feito obra de um gênio que malogra,

pois nunca soube do bem

que das alturas o Céu contém. 

Karoline Dantas, Guarulhos (SP)