
Janelas
Olho pela janela e penso:
Não aguento mais ser eu.
Olho para dentro e penso:
Minhas antigas palavras não dão mais conta de descrever o que vejo.
Olho para o espelho e espero
Que quem está do outro lado, só para variar, não seja eu.
Estar no auge do meio do caminho torna difícil desanuviar o futuro
Na mesma medida em que torna custoso deixar ir o passado
Ele nos enche de vontade de fotografar diariamente um ipê
E nos ensina a ver a comicidade na surpresa de que esse ano o ipê floresceu fora de época
Na mesma medida em que deixa o prédio barrar as fotos diárias
De um pôr-do-sol que insiste em mudar.
O pôr-do-sol anda, mas o prédio fica sempre no mesmo lugar.
E, em algum ponto, vemos que talvez
Nem tenha sido o prédio quem barrou as fotos –
mas a gente, cansados dessa caminhada
Que indefinidamente nos mantém no meio do trajeto
Ou que o prédio se instalou na gente mesmo
(E a gente, presos a viver sempre em primeira pessoa
Olhamos tudo através das janelas que são nossos olhos)
O prédio é uma construção
E a arte é um processo
E a gente, é o que?
Mariana Stefani, São Paulo (SP)